16 junho 2005

Estava há dias num hipermercado, num daqueles dias em que não vale a pena ir aos hipermercados, dias em que todos podem ir ao hipermercado, em que os hipermercados estão cheios de gente que pode ir aos hipermercados por ter disponibilidade de lá ir. À espera numa caixa para pagar o tipo de produtos que se compram num hipermercado e olhei para tanto povo, tanto dinheiro, tanta indústria, tanto gesto semelhança entre tanta gente e com tanta semelhança entre si.

É um ecossistema criado e adaptado ao que todos necessitamos. Todas as pessoas para quem olhei tinham roupa, tinham relógio, tinham o cabelo lavado, tinham a barriga composta (e bem composta) e a julgar pelo aumento da obesidade junto das nossas crianças, até com excesso de compostura, tinham um meio de transporte para se deslocarem até casa, tinham casa, sua ou duma qualquer entidade de concessão de crédito.

Depende-se sempre de terceiros para o bem-estar próprio. Eu dependo duma indústria para viver, trabalho numa indústria que permite aos restantes viver e todos estamos algures nesta cadeia, uns buscam o polén e outros consomem-no em doces repastos de quem nasceu com mais sorte. Vi como todos lá estamos e não somos assim tão diferentes. Perdi individualidade ao nascer, deixe de ter unicidade ao sujeitar-me às demais imposições sociais e assim vivo quer queira quer não.

Mas o que me garante individualidade são os amigos que só eu tenho e que só comigo interagem daquela forma. São eles, a família que importa, que me permite excessos e, como tantas vezes já o escrevi, a quem agradeço. São só vocês, mãe, pai, manos, demais povo, gosto tanto de todos que me perco ao lembrar. Ando com o pingo na fralda mas mesmo assim feliz por ter a quem falar mal quando tudo o resto corre menos bem.

Dentro daquela colmeia que vi, do ecossistema implantado, sacos atrás de sacos, gestos iguais, cheiros estereotipados, sobressaio não nas posses mas sim no que não se mostra e que só vocês conseguem ver.

São anos a estudar, livros que ocupam estantes, individualidades que se perdem quando outros tantos já estudaram o mesmo e aqueles livros não são nossos e já houve quem os lesse. “Aos amores!” – exclama o camarada e só a esses nos é dada a forma de estar que é só nossa. Quanto à merda do resto, no bedum colectivo, somos todos um só.

E pronto!

3 comentários:

Anónimo disse...

A Arte de Ser Bom

Sê bom. Mas ao coração
Prudência e cautela ajunta.
Quem todo de mel se unta,
Os ursos o lamberão.
Mario Quintana
(isto a propósito de mel.)


AH! OS RELÓGIOS

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

Mario Quintana
(isto a propósito dos relógios)


yougogirl

Anónimo disse...

e a propósito de mel e relógios...

ora tem razão a escrava de cravo e canela, quando diz tamanha verdade colossal e industrial!

quem mais que os nossos(amigos familia amores) para nos situar nesta embruglia de pessoas, de terra e de mar, de sentir e de pensar, quem mais, hein?
os passarinhos por acaso?
as pedrinhas?
os eremitas?

ok, mas tb há desconhecidos que nos fazem situar e que nos dão de amor. ora, erika badu, stevie wonder...
mas pronto não é comparávelao amor dos nossos, mas ajuda a descomprimir do mundo dos relógios.

yougogirl

Anónimo disse...

Desculpe que lhe diga mas não uso relógio (é como se usasse...) e a minha barriga é muito "descomposta"(bem feita),em demasia talvez (até faz cova).Temos pena!
Não acredito que uns nascem com mais sorte que outros,o meu destino não está traçado e ninguem me mete isso na cabeça.
Sim por acaso você sobressai,(por acaso e só mesmo por acaso ok?) pela positiva mas não vou enumerar qualidades porque já é convencida (realista?!Xiii!) o quanto baste e eu não sou ninguem para a chamar à Razão.
Beijo