29 julho 2004

Fui mordida durante a tarde pela imensa vontade de nada fazer. Sigo exemplos palpáveis, bem melhor remunerados que eu, expectante que talvez essa seja a solução para mais um grão no final do mês. Adaptabilidade é o nome que lhe quero dar. Nunca preguiça porque isso fica mal. Ainda sou jovem para padecer de tal suplício! Mas sinceramente... hoje não me apetecia ter vindo trabalhar…

Vou passar a tarde a fingir que produzo, enquanto espero a hora de poder ir a casa, pôr o meu equipamento laranja mecânica, o chanato, o óculito do sole e rumar que nem caranguejo para a areia.
Hoje apetece-me esplanar e estar sossegada em amena proza, ou a ler um livro, sem pensar na companhia, ou na ausência dela. Sem invejar corpos torneados, nem sortes de quem já goza férias, sem pensar no que amanhã me espera novamente, quer me apeteça, quer não.
Só esplanar, beber um fino ao preço de dois, nunca esquecendo que em casa seria bem mais barato, olhar para o mar e ter vontade de molhar os pés, sentar-me na areia e sonhar. É o que me resta. E é mêmisso que farei!! Praia here I come!! 

Ai como tu estás hoje…É por causa de pessoas assim que este país não anda para a frente! Desperdiço tempo evitadamente, como tão bem diz a entidade patronal...

23 julho 2004

Conversava ontem com duas conhecidas minhas, num final de tarde pouco solarengo e ainda menos agradável à esplanada, sobre o destino de férias que cada uma ia tomar. Curiosamente no ano anterior, ambas haviam estado numa mesma cidade em terras de Vera Cruz, e só não se encontraram porque viajaram em datas diferentes. Não vou mencionar a terra porque poderá dar azo a que, mais veraneantes com posses para atravessar todo um oceano, tenham a mesma opinião que a partilhada pelas duas jovens.

A conversa surgiu com a pergunta inocente:”O que é que achaste do sítio XX? Achaste melhor que o YY?” – a outra jovem respondeu:”Olha, achei o XX muito melhor que o YY, parece que vi o Brasil a sério, não era artificial… Olhas à tua volta e só vês pretos, vês mesmo o país a sério!” (Como sempre, a palavra “pretos” mencionada na minha presença, e quando usada para adjectivar pessoas, dá sempre azo a olhares, desculpas e um entaramelar da língua que me dá muita vontade de rir!)
Continuaram a conversa, que para mim pouco interesse tinha, já que nem em sonhos poderia ir ao Brasil e, para além do mais, trabalho até meados de Agosto, e tudo aquilo me deixou a pensar. Depois de reflectir durante algum tempo, cheguei à brilhante conclusão que para ver pretos, não é preciso ir ao Brasil gastar balúrdios. Podem ir até lá a casa, à Taberna do Canal em Aveiro, ou ao Martim Moniz em Lisboa. Neste último lugar para além de serem muitos são muito variados e usam aquelas roupas giríssimas que dão azo aos comentários típicos:”Olha o Savimbi! Ressuscitou o cabrão!!”
 
Será que ver pretos no Brasil define assim tão bem o país? A maior parte da informação que tenho do Brasil refere-se aos bairros de lata, à Bossa-Nova, aos meninos de rua, aos esquadrões de morte, à corrupção quase legalizada, ao Roque Santeiro, às prisões sobrelotadas, ao Carnaval, às paisagens lindíssimas, às máfias que controlam a vida de milhares, ao Guaraná e ao calor. Alguma desta informação invoca-me imagens de pretos é certo, mas grande parte delas até mete muito branco. Mas o que achei mesmo muito engraçado foi quando a moça, que disse que ver pretos era ver o Brasil, rematou:”O nosso hotel era de não sei quantas estrelas, mesmo impecável! Tudo espectacular!” Provavelmente os pretos a que se referia eram os empregados do hotel, pagos a “tuta e meia” para serem simpáticos… Os tais pretos que moram em favelas e que fazem com que à noite não se possa parar no sinal vermelho. Os mesmos pretos que posam em fotografias a mostrar aquando do regresso, num agradável domingo solarengo com a família à volta. Aqueles pretos que se convidassem os turistas para jantar, o mais provável eram não preencherem mais lugares à mesa que os do costume. Os tão característicos pretos do Brasil!

(Imagino os turistas que estiveram em Portugal durante o Euro: “Pá olhas à tua volta e só vês ucranianos, russos, checos, vês o país mesmo a sério!” )
 
Os cidadãos originais do Brasil são os índios e esses não têm carapinha…Talvez um ou outro com nariz de batata, mas sem carapinha. Se toda a gente que viesse a Portugal e caracterizasse o país como sendo composto por homens (e mulheres) de bigode e com pêlos debaixo dos braços, acho que nunca teriam convidado o Durão para ir para a Europa. Não sei, é só uma suposição…

Nem todos os habitantes do Brasil fazem surf nem andam na “acadjimía”, é verdade, mas daí a que o país seja caracterizado por pretos! Convenhamos! Enfim…

Santa Paciência

12 julho 2004

Grande Lhasa, música do mundo para gostos menos próprios ( sendo que “próprios” significa Standertein Diccionário Tia Gijocas, vs 2004 ). Gostei muito do concerto da senhora, dos músicos, do jogo entre eles, aqueles olhares que parecem sem nexo, mas que o têm e muito, caso contrário não acredito que conseguissem entrar e sobretudo tocar, todos ao mesmo tempo.

É tão engraçado tocar ao vivo! E é bom expiar dúvidas e reclamações da vida no som dum instrumento. É libertador tocar algo. Há quem extravase a dor de estar vivo na escrita, outros expiarão as suas culpas no vinho, quem tem amigos usa ombros compreensivos para se purgar, aqueles senhores fazem uso dum dom para não só se libertarem mas também para darem a conhecer isso mesmo ao seu público.

E eu gostei da forma como o fizeram!!

Também eu já tive essa oportunidade. Pisar o palco, sentir os olhares pousados no que nos propomos fazer, o suor das mãos, é o pânico. Normalmente comigo, depois das primeiras notas, o som começava a fluir melhor e a inibição a voltar para o seu lugar, donde nunca deveria ter saído. A música surge no seu encanto, há uma ou outra nota que falha, mas a concentração volta e parece que os dedos já sabem o seu rumo. Chega sempre a fase mais inspirada em que o dedos chegam mesmo a ir mais além com o improviso que confere aquele brilho, e é nessa altura que tudo parece estar bem. Entretanto a música acaba e a sensação de dever cumprido instala-se como se em toda a nossa vida não tivéssemos feito outra coisa. É esta a minha missão!

Gostava de saber como é com os grandes artistas, aqueles que fazem da música ganha-pão, será que também transpiram e dormem mal na noite anterior, como acontecia comigo? Ou não conseguem comer e são avassalados pelo degarrar do intestino, como tanta vez testemunharam aqueles que partilham o lar comigo? É complicado… Os nervos surgem duma forma até então desconhecida, descobre-se que nem só de frio as mãos tremem e é o descalabro e a sensação:”Porque é que eu me meti nisto?”

Mas como já havia dito, no final até é bom. Bastante bom mesmo. Ser músico deve ser mesmo muito bom!E quando se é musico como os da senhora dona Lhasa, então aí sim, deve dar gosto acordar todas as manhãs!