31 maio 2005

CHICAGO HOPE
RolePlay



-“Então e a mãe sente-se melhor?” - perguntou a filha enquanto ajeitava as cobertas da cama, revolvidas pela constante busca da posição mais confortável, depois de semanas a repousar no mesmo leito;
-“Oh filha nem sei… Sinto-me na mesma, sei lá como me sinto, não vejo melhoras nenhumas…” – replicou enquanto abanava a cabeça, num jeito de quem já se conformou com a miséria da condição humana;
-“Mas se os médicos dizem que amanhã se calhar já vai para casa, então é porque está melhor! E nota-se que tem muito melhor cara mãe!” – saíam-lhe afirmações sustentadas por argumentos circunstanciais, nem todos verdadeiros, sentia-o por dentro. É sabido que a alma necessita de alento, pelo que o discurso lhe saiu de forma convicta, quanto mais não fosse para a animar um pouco, um placebo administrado em palavras e em consolo.
-“Olha… Se calhar até já me sinto melhor, filha…” – ao ouvi-lo disse para si mesma:
-“Olhe mãe… Se calhar também eu…” – e despediu-se com um beijo na testa e a esperança dum dia melhor.

30 maio 2005

Arreganhas a taxa ao sabor dum vento que vai passando, passando e a vontade de rir só aumenta, aumenta, enquanto se molham os pés numa qualquer poça de água, um charco de vitória na sensação da água a entrar e a molhar tudo. Há imagens que não se esquecem e esta ficou-me na cabeça desde há uma mão cheia de anos, mais que muitos, demasiados mesmo para um cheiro tão vivo. São os gostos que trago na pele de quando fui mesmo muito feliz e feliz na forma verdadeira que é quando não se sente logo, mas sim depois… ao deixar de o ser e a sucumbir em modo crescendo aos fardos da vida que insistem em acumular-se de chofre.
Era alegre, dá para ver no sorriso que a memória me traz, usava roupa leve deixando o corpo livre de o poder expressar também numa brincadeira, num jogo, parvoíces de quem só se preocupa com o momento, deixando-se ir arreganhando a taxa sempre e só porque sim.
Recordo cheiros vêm-me as imagens (sim, eu também sou cinestésica) e fixo um ponto para me lembrar com clareza, uma espécie de freeze da realidade, um efeito especial qualquer da mente que nos alheia do agora e nos deixa entrar num sempre sem fim. É doce ter lembranças, fica um calor estranho na cabeça, enche-se o peito de não sei o quê e solta-se um suspiro, quase de alívio por ainda existirem e por terem sido reais e não fruto da imaginação. Não é uma fantasia, é sim uma lembrança, palpável quando se volta aos locais, quando se sente o bafo quente na cara e se molham os pés nas partes mais rasas do rio dum enganador azul, armadilha para os que não dominam a arte de boiar e deixar-se ir. O mesmo barulho dos insectos, a mesma dança com as mãos à procura de sossego, a vertigem no estômago de tão belas paisagens, quase como a que se sente quando se ama, é tão bom e são tantas.
Os afagos de quem se amou são sempre bons, mesmo que o “amar” mude de feitio, ou de forma de expressão, mesmo que surjam condicionantes a atrapalhar a simples vontade, é sempre o mesmo calor transmitido e lembra-lo dá um frison muito je ne sais quoi, um quase arrepio e é bom lembrar.
Fisicamente mínima, mas lembro-me desses dias, as rotinas que desaprendi por já não ter figurantes suficientes, lembro-me até muito bem. Saudade tanta, oh mãe querida, saudade tanta…

20 maio 2005

Ontem ouvi coisas bonitas e fiquei algo mais feliz no meio disto tudo.
Adormeci a pensar como a Ana, um voraz apetite em querer estar novamente com “O coração ali à mão,/ os pulmões ali ao pé/ver como a mãe é!/ Do lado que não se vê...” e infelizmente não se lembra. Interrogo-me como seria estar lá dentro e rogo pragas à porcaria da memória, selectiva por defeito, castradora quando mais a queremos viva.
É uma música linda que ouvi em jeito de confidência, melodicamente pueril e por isso tão bela. As coisas lindas são mesmo assim, sempre imberbes e simples demais para me alongar a descreve-las ou a dissertar sobre elas.
Hoje só queria dizer que estou feliz e que quero exactamente o que a Ana Quer…

19 maio 2005

É uma raiva tão grande que se carrega cá dentro que apetece explodir na mais ínfima partícula que exista e que não se vê a olho nu. Repartir tudo o que se sente em mais do que um bocado para minimizar o seu todo. Dividir para conquistar. Rebentar como os peixes quando comem demais, mas em vez de pedaços de matéria, soltar vazio.
E espera-se por tudo, confiantes duma melhoria milagrosa, a fé que não se arranja, dúvidas atrás de dúvidas, o futuro que pertence a alguma entidade mística, um tremor nas pernas e medo, muito medo…
Todos se preocupam com uma sinceridade que magoa, quase acusações directas para o que está a acontecer: “Mas vocês não falam com eles? VOCÊS TÊM QUE FALAR COM ELES! Não podem continuar assim!” – um revolver apontado à cabeça para dizer o quê? Corre-se para lá, há quase intimidade entre quem é profissional e nós. Atarantados que nem baratas, engolindo o fumo inebriante da melhor maneira, sem cambalear à frente de quem padece, tudo está bem, preocupe-se consigo.
Cada dia uma nova fraqueza, uma nova dor, uma outra queixa à qual se assiste com incredulidade pela rapidez com que aparece. Máquinas atrás de máquinas, com funções directas eficazes mas com efeitos secundários para o paralelo, é intoxicante aquele ambiente, todo ele.
As pessoas vai saindo e nós sempre na correria entre o palco que se tornou o dia-a-dia e a realidade que é atravessar aquela porta.
É madrasta esta puta de vida…