23 julho 2004

Conversava ontem com duas conhecidas minhas, num final de tarde pouco solarengo e ainda menos agradável à esplanada, sobre o destino de férias que cada uma ia tomar. Curiosamente no ano anterior, ambas haviam estado numa mesma cidade em terras de Vera Cruz, e só não se encontraram porque viajaram em datas diferentes. Não vou mencionar a terra porque poderá dar azo a que, mais veraneantes com posses para atravessar todo um oceano, tenham a mesma opinião que a partilhada pelas duas jovens.

A conversa surgiu com a pergunta inocente:”O que é que achaste do sítio XX? Achaste melhor que o YY?” – a outra jovem respondeu:”Olha, achei o XX muito melhor que o YY, parece que vi o Brasil a sério, não era artificial… Olhas à tua volta e só vês pretos, vês mesmo o país a sério!” (Como sempre, a palavra “pretos” mencionada na minha presença, e quando usada para adjectivar pessoas, dá sempre azo a olhares, desculpas e um entaramelar da língua que me dá muita vontade de rir!)
Continuaram a conversa, que para mim pouco interesse tinha, já que nem em sonhos poderia ir ao Brasil e, para além do mais, trabalho até meados de Agosto, e tudo aquilo me deixou a pensar. Depois de reflectir durante algum tempo, cheguei à brilhante conclusão que para ver pretos, não é preciso ir ao Brasil gastar balúrdios. Podem ir até lá a casa, à Taberna do Canal em Aveiro, ou ao Martim Moniz em Lisboa. Neste último lugar para além de serem muitos são muito variados e usam aquelas roupas giríssimas que dão azo aos comentários típicos:”Olha o Savimbi! Ressuscitou o cabrão!!”
 
Será que ver pretos no Brasil define assim tão bem o país? A maior parte da informação que tenho do Brasil refere-se aos bairros de lata, à Bossa-Nova, aos meninos de rua, aos esquadrões de morte, à corrupção quase legalizada, ao Roque Santeiro, às prisões sobrelotadas, ao Carnaval, às paisagens lindíssimas, às máfias que controlam a vida de milhares, ao Guaraná e ao calor. Alguma desta informação invoca-me imagens de pretos é certo, mas grande parte delas até mete muito branco. Mas o que achei mesmo muito engraçado foi quando a moça, que disse que ver pretos era ver o Brasil, rematou:”O nosso hotel era de não sei quantas estrelas, mesmo impecável! Tudo espectacular!” Provavelmente os pretos a que se referia eram os empregados do hotel, pagos a “tuta e meia” para serem simpáticos… Os tais pretos que moram em favelas e que fazem com que à noite não se possa parar no sinal vermelho. Os mesmos pretos que posam em fotografias a mostrar aquando do regresso, num agradável domingo solarengo com a família à volta. Aqueles pretos que se convidassem os turistas para jantar, o mais provável eram não preencherem mais lugares à mesa que os do costume. Os tão característicos pretos do Brasil!

(Imagino os turistas que estiveram em Portugal durante o Euro: “Pá olhas à tua volta e só vês ucranianos, russos, checos, vês o país mesmo a sério!” )
 
Os cidadãos originais do Brasil são os índios e esses não têm carapinha…Talvez um ou outro com nariz de batata, mas sem carapinha. Se toda a gente que viesse a Portugal e caracterizasse o país como sendo composto por homens (e mulheres) de bigode e com pêlos debaixo dos braços, acho que nunca teriam convidado o Durão para ir para a Europa. Não sei, é só uma suposição…

Nem todos os habitantes do Brasil fazem surf nem andam na “acadjimía”, é verdade, mas daí a que o país seja caracterizado por pretos! Convenhamos! Enfim…

Santa Paciência

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