29 março 2005

Tenho-me esquecido do que se passou, talvez por defesa, talvez mesmo por distracção da vida de todos os dias, nem sei, não tenho parado para pensar muito nisso. Tenho-me esquecido da forma rápida como acordei nessa madrugada e senti que tudo tinha acontecido, desabou. Logo eu que nunca acordava. A minha mãe contava sempre com o meu irmão para os desaires nocturnos, era sempre ele quem se prontificava para descer as escadas, eu nunca acordava. Por preguiça não ouvia, mas naquele dia, mesmo sem meias desci as escadas. Não me lembro se chorei, não tinha onde me agarrar para o fazer por isso não devo ter chorado, falha-me a memória. A urgência dos telefonemas, uma tentativa de reanimação qualquer (é mesmo verdade, o ar entra nos pulmões e nota-se o peito a levantar a cada lufada que se exala) e finalmente a notícia. Só abanou a cabeça num jeito consternado e percebeu-se logo o que se havia passado.

Lembro-me das caras que iam entrando no quarto, olhares a perguntar:”como vai ser daqui em diante”, os amigos foram chegando e esboçavam-se sorrisos de compaixão e de pesar. Tantas pessoas, aquela casa tornou-se um rodopio de gente.
Avisei quem julgava dever avisar, talvez me tenha esquecido de algumas pessoas, perdoem-me pelo facto. A família também ia chegando, a minha mãe fora de si, teorias de “deixam-na chorar”, e eu ali, eu que só a queria ver calma e nada do que eu pudesse fazer funcionava. Resolvi chorar também num instante em que me apercebi do que me haviam avisado.
Faltou-me consolo, acho que o dei mais do que recebi.

Lembro-me da pele fria e rija que pousava naquele corpo. Eu nem sabia que se davam os sentimentos naquela situação, havia quem me perguntasse como estava, mas nem eu sabia muito bem. Fui estando e não queria deixar as pessoas pouco à vontade com a minha dor. Nem queria que se soubesse sequer, tinha quase vergonha de me apetecer chorar, de me apetecer ficar sozinha sem falar, de querer estar com a minha mãe e aprender e extravasar daquela forma o que se sente.
Entrei em casa, horas depois do rodopio, e olhei para uma sala cheia de gente, conhecia algumas caras, outras lembravam-me gentes, as rugas e o tempo marcaram rostos trigueiros de pessoas que já não reconhecia. Virei costas e sai, ninguém notou a minha entrada, não foi difícil sair dali. Andava para trás e para a frente, tratar de tanta coisa, decisões de circunstância. Eu nem sabia onde andava, queria-me embriagar, sair dum cenário que me parecia tudo menos real, ir dar uma volta, conversar sobre tudo, menos sobre aquilo.
Comecei a esquecer, é quase uma névoa aquela manhã, eu não estava lá, de certeza que não era eu. Onde fui buscar tanta conversa de circunstância, tanta treta, tanta merda que me saia da boca e não me apetecia estar com ninguém que lá estivesse, muito menos dizer aquelas coisas, muito menos dize-las daquela forma.
Ficam muitas sensações, uma nuvem de sentimentos e eu sem saber lidar com eles… Afinal ainda me lembro.

06/12/2004

Sem comentários: