20 maio 2004

Ser produtivo neste país não é fácil. Quando se mora em cidades onde os bares vendem cerveja ao litro pela singela quantia de 400$00 e jarras de sangria por 1000 paus, quem pode censurar aqueles que, como eu, são fortes adeptos da modalidade “manda vir outra”? No dia seguinte ninguém aguenta com nada, convenhamos, mas eu explicarei e lanço um repto a colegas meus de treino que querem desistir: insistam e treinem que como se diz em Inglês “practice makes perfect”!
Como qualquer outra disciplina desportiva que se queira levar a sério, o “manda vir outra”, quando jogado ao seu mais alto nível, requer: prática, treino e muita concentração. Beber diariamente custa e quem o faz afincadamente corre o sério risco de lesões internas e outras que se reflectem no dia seguinte em dores de cabeça, secura constante e fortes dificuldades em ingerir, direi mesmo, cheirar qualquer tipo de comida.
Há um outro risco, no meu caso é bastante remoto, que é o dum gajo se fartar! Felizmente há grande variedade de bebidas, quase tantas como os modelos de ténis para basquetebol, e só os amadores chegam a este ponto de fraqueza, acabando por desistir e dizer: “-Hoje não bebo mais… Não me ‘tá a saber bem…”. Quase como aquelas fats que surgem por épocas e que facilmente se esquecem. Quem é que nunca quis ser profissional de alguma coisa e pela periodicidade e rotina, que ser profissional implica, acabou por desistir? No “manda vir outra” isso não acontece e, quanto mais outras vierem, o palato e o discernimento começam a desaparecer, levando a que o desporto se pratique quase sem que nos apercebamos da quantidade de garrafas que já nos tiraram da mesa.

Esta fase coincide com a não muito agradável altura em que os donos do estabelecimento/ginásio onde decorrem os treinos, aumentam o nível da contenda, mexendo no chão e alterando o campo de visão de, ecrã inteiro, para ecrã em modo palplus. Os verdadeiros atletas, e até hoje conheci poucos que não fossem da minha família directa, apreciam esta fase do treino normal já que a mesma duplica a concentração. Convenhamos que coordenar duas pernas, o léxico e o sentido cinestésico torna-se complicado e ter uma boa prestação nesta etapa de provas é sobremaneira gratificante.

Serve este apontamento para todos aqueles que se embaraçam e temem admitir o seu fanatismo pelo “manda vir outra”. Não será um desporto muito saudável mas, ao contrário dos futebolistas e afins, não é preciso dizer sempre a mesma coisa como:”o jogo correu mal… não ganhámos porque a outra equipa marcou mais golos e nós acabámos por os sofrer! 'Tamos confiantes que póssamos recuperar na próxima jornada, mas a sorte não esteve cagente,enfim!” Sempre podem ser ditas coisas mais inteligentes como:”o vinho é frutado”, ou “a sangria está muito saborosa”. Se bem que na fase final dos treinos ou das competições, um praticante ao nível que eu me considero, não diz sequer pão, mas deve ter sempre preparada a frase de segurança (se possível em várias linguas...):”Onde é a casa de banho? Acho que vou vomitar…” Nem sempre a frase sai tão bem encadeada mas dizer palavras chave como “vomitar” normalmente é o suficiente.

Uma dica importante para quem inicia a actividade é tentar descobrir antes do início da prova ou treino onde pode descarregar baterias e o estomâgo. Note-se que esta técnica só não funciona quando a memória nos falha, mas aí… nada a fazer.

Apesar de todos estes contratempos, é praticada em conjunto e o convívio que se gera é deveras gratificante, já que se chega a uma mesa onde se conhece meia dúzia de gatos pingados e acaba-se a noite a dizer à outra dúzia e meia como são pessoas porreiras. É muito humano praticar o “manda vir outra”.
Numa sociedade como a nossa onde não há oportunidade de aprofundar o conhecimento dos outros, nada melhor do que uma modalidade em que no espaço de horas, todos os que nos rodeiam nos parecem os nossos melhores amigos e com quem se trocam confidências como:" Fiz chichi fora da sanita...E GOSTEI!!”

A todos os que querem começar a modalidade, existem excelentes campos de treino nas Universidades (onde me introduzi na alta competição) e em diversas tascas típicas espalhadas pelo país. Não confundam no entanto este espaço com as afamadas semanas académicas, essas temporadas são destinadas somente a profissionais e o envolvimento de novatos só serve para envergonhar os verdadeiros praticantes, cuja fama tem sido fortemente prejudicada. Devo dizer-vos inclusivamente que temos nesses eventos e campeonatos, um ou outro recorde mundial.
É motivo para continuar a praticar!


Dedicado à Joana Rocha: “Never stop the bues"

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